sexta-feira, 11 de agosto de 2023

CASA DOS PAPÉIS-337: FESTA DE S. CLARA - 1959

 GRANDE FESTA EM LOUVOR À 

S A N T A   C L A R A

EM 16 DE AGOSTO DE 1959


P R O G R A M A 

Parte Religiosa
Dia 12 dia de Santa Clara
Pela manhã às 10 horas - Missa solene, oficiada pelo ilustre e Rev. Padre ARMANDO SALGADO, com comunhão geral.
Nos dias 13 e 14
Haverá na Capela votiva a reza do Terço.
Dia 15
Dia da Assunção de S. S. Virgem Maria, haverá Missa, às 10 horas.
À noite será rezado um piedoso Terço.

Parte Profana
Dia 12
Funcionarão várias barracas de quermesse, sendo premiadas valiosas prendas.
Dia 15
Dia Santo de Guarda - No adro da Capela haverá leilão, com função de todas as barracas, inclusive o bar com apetitosos assados e guloseimas.
Dia 16
Na alvorada lembrando este grande dia SANTA CLARA, será acordada pelo bimbalhar dos sinos, espoucar de rojões e de um poderosa bateria de 21 tiros.
Depois da Missa, às 12 horas, grande leilão de gado.
à noite no Largo feericamente iluminado, continuarão os festejos com quermesse, leilão e bar.
Dia 16 - Dia da Festa
Neste dia festivo que nos lembra SÃO ROQUE, dar-se-á o fim das homenagens a SANTA CLARA, com Missa Soleníssima, às 10 horas, com a colaboração do Côro da Igreja Matriz de DOURADO, oficiada pelo Rev. Padre ARMANDO SALGADO, que fará empolgante panegirico da nossa Augusta Padroeira.
Às 16 horas - Imponente procissão saindo da Capela votiva e percorrerá toda SANTA CLARA.
Para esta procissão os festeiros rogam a cooperação das exmas. famílias, enviando o maior numero de Anjos.
Os andores de SANTA CLARA, Santa Ignês, Santa Rira, N. S. Aparecida, São Benedito, Santo Antonio e São Valentim serão enfeitados por senhoras e senhoritas de SANTA CLARA. 
-.-.-.-.-.-
Leilão - O leilão funcionará a cargo de todos os festeiros.
Musica - Para alegrar as festividades em louvor à SANTA CLARA, a festa contará com o concurso da Banda Musical de Ribeirão Bonito, e POLI E SEU CONJUNTO DE DOURADO.
A Renda - Desta festa será toda aplicada em melhoramentos da Capela.
====== FESTEIROS ======
JUVENAL DA SILVA BRAGA, ROBERTO ORTEGA, ALFREDO DA SILVA BRAGA, JOSÉ RIBEIRO, DR. OSVALDO FLAVIO TEIXEIRA, JOSÉ CARLOS NICO, DR. JAYME VIEIRA PINHEIRO, ERNESTO DOMENICONI, HENRIQUE TOMAZINE & IRMÃOS, PAULINO TURCI, ARGEMIRO FERRO, JOÃO ALVARENGA, HILDEBRANDO GOMES, IRMÃOS BATTISSACCO, JOÃO CARMONA, AUGUSTINHO GABAN, JOSÉ CHIÉZE, ANTONIO MORENO, IRMÃOS MORALES, JOSÉ ANTONIO OLIVEIRA CEZAR, BENEDITO AUGUSTO DA SILVA, IRMÃOS GOMES, DOMINGOS CHANQUETTI, VITÓRIO THOMAZ, SALVADOR PEDROZO, IRMÃOS LOPES FELIPE, ANTONIO PACHÁRI, EMILIO DADA, ALEXANDRE PICOLO, NICOLA THOMAZ, SANTO BRUNO, ANTONIO NOVAES, JOSÉ TEREZAN, FLAVIO DE ALMEIDA, NICOLA GENGHI, SATORNINO CARVALHO, IRMÃOS DELÉVE, PAULINO MADONIA e APARICIO XAVIER.

Presidente de Honra
Snr. MOACYR PENTEADO TOLEDO
D. D. Prefeito Municipal de DOURADO

VISTO:
PADRE ARMANDO ANTONIO SALGADO
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ARQUIVO: CASA DOS PAPÉIS / ANTONIO DELEVE FILHO (Programa)

domingo, 6 de agosto de 2023

CASA DOS PAPÉIS-336: OS IMIGRANTES LETÕES EM DOURADO

 OS IMIGRANTES LETÕES EM DOURADO

Aos meus amigos que gostam de ler sobre a história da nossa querida DOURADO, através de uma de minhas publicações onde citei o nome de DR. ALMEIDA SANTOS, médico aqui residente na primeira metade do século passado, SIBILA LILIAN OSIS fez um comentário sobre tal publicação, e,  que fez  surgir uma parceria sobre o período em que os IMIGRANTES LETÕES  aqui se fixaram, na propriedade do DR. CARLOS BOTELHO, e SIBILA prontamente, com seus conhecimentos, nos proporciona com esse maravilhoso trabalho que aqui publicamos.
SIBILA LILIAN OSIS nosso agradecimento e obrigado por essa colaboração.
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Entre tipos e cafezais: a imprensa e os imigrantes letões em Dourado
(1925-1926)
“Do país do Passado nós viajamos
Por uma vida em terras de Presente perpétuo
Até a longínqua terra do Futuro,
Onde seremos felizes, libertos.
Todos os dias são nossa companhia,
Unidas à comitiva de viagem,
As companheiras Lágrimas e Alegrias
Junto às montanhas e vales.
Temos um cajado em nossas mãos – a Fé,
Com o qual nos apoiamos,
E à distância brilha a estrela – a Esperança,
Da qual não duvidamos.
O pão da caminhada – a palavra de Deus,
Como líder – o Amor,
E uma maravilhosa Fonte de poder
Nós – Unidos em oração e clamor...
Nós seguimos... Longo e difícil é nosso caminho,
Nem todos vão de bom grado.
Os pés se cansam com a poeira do percurso
E pedem repouso em algum lugar de seu agrado...
Mas a estrela brilha intensamente – a Esperança,
Para ela nós direcionamos o olhar –
Dissipam-se a névoa, as preocupações e a fadiga,
Do nosso forte cajado não iremos soltar…”
KALNU JĒKABS, Nós viajamos
Jaunais Lihdumneeks, n. 2, março, 1930.
Em 26 de outubro de 1922, atracava no Porto de Santos o vapor
Araguaya, da companhia inglesa Royal Mail Steam Packet, proveniente de
Cherburg, França. Deste navio, desembarcaram 437 letões, que foram
direcionados à Hospedaria de Imigrantes, no bairro do Brás, em São Paulo.
Um conto publicado em letão pelo autor Dsintars, em 1929, intitulado
Sapņotajs (Sonhador), relatou um pouco sobre a viagem e chegada ao Brasil.
Ele escreveu:
Já havíamos chegado ao litoral do Brasil e dirigimos ao longo dele por
vários dias, paramos no Rio de Janeiro e então fomos para Santos, que
foi o ponto final de nossa jornada no oceano. Nós desembarcamos lá.
À nossa frente, uma terra vasta, estrangeira e desconhecida. Um
idioma estranho soa por toda parte, pessoas diferentes, entre eles um
grande número de cidadãos negros (Jaunais Lihdumneeks, n. 2,
março, 1929).
A Letônia é um país ao norte da Europa, que foi dominado por mais de
800 anos pelos alemães, suecos, poloneses e russos. Durante esse período, os
nativos da Letônia foram submetidos à servidão e à escravidão. Somente no
início do século XX, em 1918, a Letônia se tornou independente.
O destino final dos imigrantes era uma fazenda que havia sido adquirida
para se tornar a colônia de letões no Oeste Paulista. Até o final de 1923, foi
registrada a entrada desses imigrantes na Hospedaria em São Paulo, com
destino a Sapezal, a estação férrea mais próxima do local. Após passarem pelas
inspeções na hospedaria, o grupo era embarcado em um trem, que seguia pela
Estrada de Ferro Sorocabana, uma viagem que durava 24 horas e foi narrada
como bastante precária, chegando a compararem o vagão a um trem de carga,
com bancos estreitos, em que duas pessoas sentavam com pouca comodidade.
Após esse percurso, chegavam à Estação Ferroviária do Distrito de
Sapezal. Nesse local, eles tinham um barracão de apoio, onde os imigrantes
descansavam e deixavam suas bagagens, para seguir posteriormente, pois
ainda havia uma caminhada por uma precária “trilha”, ou como citou Tupes
(1988, p. 41), “uma senda escabrosa e difícil” em meio à mata nativa e de
aproximadamente 30 quilômetros, até chegar às margens do Rio do Peixe. Em
1 de novembro de 1922, o primeiro grupo chegou ao local adquirido e essa data
é considerada a da fundação de Varpa, hoje distrito do município de Tupã (SP).
Segundo Ronis (1974), aproximadamente 2.300 letões imigraram para
Varpa, em sua maioria protestantes batistas, que buscavam em terras tropicais
novas oportunidades e liberdade religiosa. Eles se organizaram e, dois meses
antes de iniciarem o fluxo migratório, enviaram um grupo representante, que se
dirigiu ao Brasil com a tarefa de adquirirem uma propriedade para a instalação
da futura colônia. Assim, diferentemente dos imigrantes de outras nacionalidades
que, em sua maioria, trabalhariam em atividades de agricultura subsidiadas por
fazendeiros ou pelo governo, os letões adquiriram uma propriedade e se
organizaram fora dos núcleos de colonização.
A área de terra comprada era denominada Fazenda Pitangueiras e tinha
um território de 2.000 alqueires. Apesar da nomenclatura "Fazenda", o que havia
era somente uma pequena cabana, sem nenhuma outra grande estrutura. Assim,
esses letões começaram uma nova vida “praticamente do nada” no Brasil, como
relatou Tupes (1988, p. 44)
Conforme os grupos chegavam, as frentes de trabalho eram organizadas.
Nesse momento, homens, mulheres e crianças fizeram os mais diversos
serviços, a fim de contribuírem com o desenvolvimento da colônia.
Independentemente da profissão ou ofício, todos labutaram juntos.
Desde o início, os imigrantes letões organizaram diferentes tipos de
trabalhos, da construção de dormitórios à abertura de clareiras para as
plantações, construção de estradas e pontes, reuniões de celebração espiritual
nos dogmas protestantes batistas e a instituição de uma escola ao ar livre, para
educação das crianças. Algumas estratégias utilizadas foram o caixa único, em
que foi depositado o dinheiro para benefício de todo o grupo, bem como a
organização de uma diretoria e superintendências, como as de Abastecimento,
das Atividades Agrícolas, da Instrução, da Saúde e outras.
A terra adquirida foi dividida pelos agrimensores do próprio grupo, que a
seccionaram em lotes, posteriormente distribuídos entre os colonos, conforme
alguns critérios. Aqueles que cooperaram com dinheiro para a aquisição da
fazenda tiveram prioridade de escolha e os demais receberam sua gleba
conforme sorteio.
Porém, alguns optaram por manter a vida em comunidade. Dentre os
imigrantes, vieram muitos solteiros, mulheres viúvas com filhos e também casais
que não os tinham. Para os integrantes desse grupo, poderia ser difícil a
condução de um sítio, pois nas situações em que se encontravam, com matas a
serem abertas para plantações e pasto, as famílias pequenas poderiam ter
dificuldade de obter sustento ou mesmo de pagar o valor que ainda era
pendente.
Conforme explica Vassilieff (1979), além dos motivos de cooperativismo
para a sobrevivência, propósitos religiosos também podem ter sido
influenciadores da formação da comunidade. Em relato apresentado pela
professora Marija Mellenberg, esta apontou que a crença na segunda vinda de
Cristo levava alguns a optarem por uma convivência como a dos cristãos
primitivos de Jerusalém, onde todos compartilhariam o todo.
Outro ponto levantado pela depoente foi que o exemplo de vida seria uma
forma de afirmação moral, quando diz, “na minha opinião, a nossa vida é um
protesto público contra a ambição e a avareza, os males que estão destruindo a
sociedade em geral” (VASSILIEFF, 1979, p. 124). Assim, a solução encontrada foi se manterem vivendo em comunidade,
em que todos se apoiariam em uma frente de cooperação. O assunto foi tema
de discussão entre os colonos, sendo realizada uma sessão plenária na Igreja
Batista de Varpa para analisar a proposta, com a sua formação aprovada por
entenderem que se tratava de uma corporação fraterna e beneficente.
Foi decidido que seria separada uma área de 300 alqueires para a
fazenda coletiva, que contava com 350 pessoas registradas em seu início. Assim
se constituiu a Fazenda Palma e Vassilieff (1979, p. 108) concluiu que seu
aspecto religioso seria o “cimento da unidade” que alavancaria o
desenvolvimento e manteria a vida social ordenada.
Com a divisão das terras e o pagamento das parcelas de sua compra,
houve a necessidade de esses imigrantes se deslocarem para trabalhar e
conseguirem fundos. Uma das estratégias foi parte das famílias se direcionarem
às fazendas de café, onde poderiam conseguir dinheiro para auxiliar aqueles que
ficaram em seus sítios na colônia.
Nessa proposta, por volta de 150 imigrantes da Fazenda Palma se
deslocaram para Dourado (SP), distante aproximadamente 300 km, local de
intenso movimento cafeeiro à época. Alguns vestígios importantes apontam
como a população da cidade deu forte apoio aos letões, mas também indicam
que aqueles que tiveram contato com esses imigrantes foram igualmente
influenciados por sua cultura e costumes.
Um dos momentos marcantes em Dourado foi o início da imprensa dos
imigrantes da Letônia, com a produção de revistas em idioma letão, no período
em que atuavam nas fazendas de café. Dois jovens imigrantes do grupo enviado,
Jacob Rosenberg (que tinha dois pseudônimos, Kalnu Jekabs e Dsintars) e Jānis
Bukmanis, viajaram a Nova Odessa, onde havia uma colônia de letões.
Lá, eles se depararam com a venda de uma prensa do tipo Minerva
manual e alguns “tipos” (as letras usadas para a montagem das palavras), que
haviam sido utilizados na produção de um impresso letão de cunho político, mas
que não estava mais circulando.
Eles compraram a máquina e os demais materiais e levaram ao que
chamaram de Fazenda Dourado, onde junto com Arvids Eichmann, publicaram
o primeiro impresso dos imigrantes letões de Varpa. Acredita-se que essa
“Fazenda Dourado” era a de café da família do Dr. Carlos Botelho, que ficou 
assim conhecida entre os imigrantes letões, pois é a forma que se referem a ela
nas publicações que adiante apresentaremos.
A primeira publicação desse grupo de imigrantes letões com a máquina
tipográfica foi justamente de teor religioso, denominada Meera Whests
(Mensageiro da Paz), lançada em dezembro de 1925 (Figura 1), tendo como
editor Arvids Eichmann e como assistente J. Rosenbergs. Também foi publicado
um suplemento para o público infantil, chamado de Rihta Rasa (Orvalho da
Manhã).
Figura 1 – Páginas iniciais das revistas Meera Wehsts e Rihta Rasa, em suas
primeiras edições, em Dourado (SP)

Fonte: Biblioteca Digital da Letônia e Arquivo da Fazenda Palma.
Ao fim da primeira publicação, dois fatos interessantes se destacam. O
primeiro, uma explicação sobre a forma diferente de escrita, pois eles adquiriram
os tipos em letras latinas, que não correspondiam à ortografia letã, que possuía
acentuações diferenciadas (o comma, mácron e o caron), sendo assim
necessário adaptá-la ao material disponível. O segundo detalhe foi que as
correspondências podiam ser enviadas aos cuidados do Dr. Carlos Botelho, em
Dourado. Assim, inferimos que a tipografia foi instalada nas dependências de
sua fazenda de café (Figura 2)

Figura 2 – Página final da revista Meera Wehsts nº 6, de 1926, apontando o
endereço de correspondência em Dourado e a lista de doações recebidas
Fonte: Meera Wehsts n.6, de 1926, página 95. Arquivo da Fazenda Palma.
Desde seu início, esses impressos eram distribuídos gratuitamente e
circularam nos grupos de letões no Brasil, mas também alcançaram a Letônia e
a América do Norte. Essa informação se baseia nas doações que eram enviadas
à redação, com a lista dos valores publicada. Na Figura 2, há doações em lats
(moeda da Letônia), em Réis (moeda do Brasil à época) e em dólaris. Outro fato
intrigante foram as doações recebidas e apontadas como Douradeeschi (de
Douradenses). Os valores eram bem elevados, quando comparados ao salário
do trabalhador comum.
No Meera Wehsts n. 2, de 1925, a página 32 apresenta os nomes e
valores das doações recebidas, dentre elas, a de 1:138$000 (um conto e cento
e trinta e oito mil réis) e para Drukatawas (Casa impressora), no valor de
1:642$200 (um conto, seiscentos e quarenta e dois mil e duzentos réis), que
foram realizadas por Douradeeschi. O valor total foi de 2:780$200 (dois contos,
setecentos e oitenta mil e duzentos réis), o que era uma soma muito elevada à 
época.
Em documentos da época, foi identificado que uma diária de trabalho na
fazenda era em torno de 4$000 (quatro mil réis), sendo então esse valor doado
o equivalente a 695 dias de trabalho. Uma das possibilidades era de que, nessa
quantia, poderia haver doação de não letões, ou até mesmo do próprio Dr. Carlos
Botelho, possuidor de outras fazendas em São Paulo e que os conhecia,
enquanto Secretário da Agricultura entre 1904-1908, quando organizou a
fundação de núcleos de imigrantes, dentre eles o de Nova Odessa (ARANHA,
2011).
Assim, a imprensa dos letões de Varpa se iniciou em Dourado em 1925 e
ali continuou até novembro de 1926, quando o grupo de imigrantes da
comunidade da Fazenda Palma encerrou as atividades na lavoura cafeeira e
retornou à colônia, levando junto a Minerva e o material. A última publicação em
Dourado foi datada de outubro daquele ano.
Todavia, a relação entre a cidade e os imigrantes foi também motivo de
outros artigos publicados na Letônia. Lá, a revista Kristigā Balss (Voz Cristã),
ligada aos batistas, publicou em 1925 um artigo da autoria de Art. Dinbergs,
sobre a vida dos colonos de Varpa na fazenda de café em Dourado, aos quais
foi visitar, quando realizou uma viagem ao Brasil.
Nele, o autor indicou que por volta de 150 imigrantes da Letônia
trabalhavam ali e que era um serviço difícil e desgastante. O autor pôde
presenciar o coral cantando em "português ou brasileiro" e que os ouvintes locais
pediam mais reuniões como aquela. Um momento que foi registrado com uma
fotografia publicada no artigo (Figura 3)

Figura 3 Foto do coral de batistas letões na fazenda em Dourado


Legenda: Sentado ao centro, marcado com um "X" está R. Vavers, o líder do coro, que foi
poeta, escritor e músico.
Fonte: Kristigā Balss, n. 18, 15.09.1925, p. 510. Arquivo da Fazenda Palma.
Em 1927, foram publicadas na revista Jaunā Nedeļa (Nova Semana), da
Letônia, três fotografias de uma fazenda de café em Dourado, identificada como
sendo da propriedade de Dr. Carlos Botelho, onde os imigrantes letões
trabalharam por três anos. Nela, mostram as casas dos colonos na fazenda de
café, o processamento dos grãos no pátio e uma serpente identificada como
cascavel, apontando que se morreria em poucas horas, caso alguém fosse
atacado pela víbora (Figura 4). Na revista, não havia maiores relatos sobre as
fotos, somente as três imagens, acompanhadas de breves descrições. Também
não foi identificada autoria ou procedência das fotografias.
Figura 4 Recorte de página de revista com fotografias referentes ao trabalho
dos imigrantes letões na fazenda de café do Dr. Carlos Botelho

Fonte: Jaunā Nedeļa, n.18, 6 de maio de 1927, p. 16. Arquivo da Biblioteca Digital da Letônia.
O conto que Dsintars escreveu sobre a chegada ao Brasil também relata
sobre a plantação de café, o que trouxe lembranças da pátria mãe:
Até onde os olhos podem ver, em todos os lugares, há arbustos de
café, polvilhados de branco e flores perfumadas. O café brilhante nos
campos de floração dá uma sensação de se estar rodeado por
pinheiros cobertos de neve, em uma tranquila véspera de Natal.
Mas também apontou o insalubre trabalho na fazenda de café:
Assim que você começar a mover a peneira, então toda uma nuvem
de poeira de argila seca e terra te envolverá e cercará teus olhos, nariz
e boca - passa pelas roupas, vai se misturar com suor e, em pouco
tempo, vai fazer você parecer um indígena ruivo.
Como o autor tem o mesmo pseudônimo utilizado por J. Rosenberg e seu
texto foi parte da revista com publicação iniciada ao retornarem à Fazenda Palma
com a Minerva, infere-se que seja um relato do período em que ele próprio atuou
nesse trabalho.
O livro Latvieši Palmu zēme (Terra Letã da Palmeira), escrito pelo
imigrante letão Arnolds Brūvers, dedicou um trecho sobre a vida na fazenda de
café. Relatou que o grupo de letões chamou a atenção dos moradores locais e
donos das fazendas, pois tinham hábitos e uma cultura bastante diferente de
outros imigrantes. Inclusive, que não estavam acostumados a um trabalho físico
pesado, pois muitos usavam luvas na labuta diária, para protegerem as mãos.
No grupo que fundou Varpa, havia muitos agricultores, mas também
profissionais de diferentes ofícios e profissões, boa parcela tinha alguma
formação, sendo que a maioria dos adultos sabia ler e escrever. Esse não era o
padrão de imigrantes de outros países, que em muitos casos não tinham nenhum
tipo de ofício ou letramento.
Outros relatos sobre os letões em Dourado têm sido descobertos em
arquivos e textos que estão sendo explorados nas revistas que publicaram.
Assim, esse período sobre o qual tão pouco sabemos tem despontado e
podemos compreender melhor suas experiências.
Uma dessas evidências da atuação dos imigrantes é um boletim escolar,
identificado como da Escola Batista em Dourado, foi encontrado entre as
doações de livros enviados à Fazenda Palma (Figura 5)
 Figura 5 – Boletim de Anna Rook, da Escola Batista em Dourado, mantida por
imigrantes letões

Legenda: Douradas baptistu draudses: Igreja batista de Dourados; pirmmahzibas skola: escola
primária; Leeziba: Boletim/Atestado; par sekmem 1926. mācibas gadā: pelo sucesso no ano
escolar de 1926; 1ª klases skolneecei: aluna da 1ª turma; Sekmes mahzibas preekschmetos:
Resultados acadêmicos; Tizibas mahzibas: Ensino religioso; Latw. wal.: Língua letã; Portug. wal.:
Língua portuguesa; Rehķinaschana: Cálculo; Usweschanas: Comportamento; Zentiba:
Assiduidade; Skolotaji: Professores;
Manuscrito: Puslīdz: Razoável; Labi: Bom; Vidēji: Médio; Apmierinoši: Satisfatório.
Fonte: Arquivo da Fazenda Palma.
Identificou-se nos arquivos da Hospedaria de Imigrantes que Anna Rook
deu entrada em 29 de janeiro de 1923. Tinha seis anos e acompanhava seus
pais, Herman e Anna Rooks, de 43 e 32 anos, respectivamente, além dos irmãos Peters (12 anos) e Arvide (1 ano). Casou-se em 1943, com Edgard Eglits,
também imigrante letão, que morava em Varpa. Na certidão de casamento,
constou que Anna nasceu em 8 de junho de 1916, estando então com 10 anos,
à época da emissão do boletim escolar.
Os professores que o assinaram foram a jovem Zenija Graikste, do grupo
de Varpa, e Jānis Iņķis jun., que falava português, pois havia chegado ao Brasil
em 1921, junto com seus pais, para atuarem na Igreja Batista em Nova Odessa.
Entende-se que a Escola Batista de Dourado era direcionada às crianças
imigrantes letãs, devido ao conteúdo ministrado, que incluía a escrita e a fala da
língua letã. Porém, pode ser possível que outras crianças tenham participado
das atividades, principalmente da Escola Dominical da Igreja Batista de Dourado,
que organizaram. O que pode levar a essa hipótese é a história do jovem órfão
Lázaro Jorge de Camargo (Figura 6), que segundo Ronis (1974), foi adotado por
uma família letã e levado à Fazenda Palma, quando o grupo saiu de Dourado.
Figura 6 – Fotografia de Jorge Lázaro de Camargo com Jacó Tupes, imigrante
letão

Fonte: Arquivo pessoal de Milia Tupes, sem data ou local, autorização concedida à autora.
A Igreja Batista de Varpa apoiou que Lázaro estudasse no Colégio Batista
do Rio de Janeiro, onde se tornou pastor de uma igreja. Krievinš (1987), em seu
relato, rememorou um episódio:
Lembro-me de um incidente há muitos anos, na Igreja Batista Letã de
São Paulo. Pouco antes do início da reunião de serviço, uma senhora,
vendo um homem negro na porta da igreja, gentilmente o avisou,
dizendo que a reunião seria apenas em letão. “Tudo bem”, responde o
homem negro, “eu falo letão!”. Acontece que o negro, brasileiro, Jorge
Lázaro de Camargo, cresceu em “Varpa”, na fazenda coletiva “Palma”,
e aprendeu letão. Mais tarde, esse mesmo homem negro completou
seus estudos no seminário e se tornou pastor batista e, em 1972, no
50º aniversário de “Varpa”, pregou um sermão em letão na igreja
central.
Tupes (1976) também apontou em um artigo de jornal que Lázaro
compareceu às festividades de aniversário de 50 anos da Igreja Batista Leta de
Varpa e, na noite em que o culto seria em português, foi o único que falou em
letão. Há divergência entre os autores quanto ao seu nome, porém entendemos
ser a mesma pessoa, pela similaridade dos fatos.
Para os imigrantes, sair de sua pátria e buscar novas possibilidades em
um país estrangeiro requer flexibilidade para a assimilação de novos saberes.
As diásporas promovem, em alguns aspectos com maior repercussão aos
imigrantes, uma “educação dura”, pois eles “se desprovincializaram ao passar
de uma cultura a outra, mas também ajudaram a desprovincializar seus
anfitriões, ao lhes apresentar não apenas novos saberes, mas, sobretudo, novos
jeitos de pensar” (BURKE, 2017, p. 32).
A desprovincialização ocorre tanto com o imigrante, quanto com a
sociedade que entra em contato com ele. Em Dourado, os letões se depararam
com novas formas de trabalho e possivelmente foi o primeiro contato mais
prolongado com brasileiros, desde a sua chegada, permitindo conhecerem os
hábitos e costumes da nova pátria. À comunidade de Dourado, os letões
trouxeram uma perspectiva diferente de outros grupos de imigrantes, ao
organizarem atividades educativas e religiosas da cultura batista letã.
Por fim, ainda temos uma última citação a apresentar. Em 1926, ao
retornarem para a Fazenda Palma, J. Rosemberg iniciou a produção de uma
revista chamada Jaunais Lihdumneeks (Jovem Desbravador). Era direcionada
ao público jovem e de conteúdo bastante variado, com informações sobre
acontecimentos, poesias, contos e orientações de cuidados com a saúde.
Um dos artigos publicados no primeiro número abordava a Leishmaniose
cutânea, ou ferida ulcerativa de Bauru. Nele, havia explicações sobre a
transmissão da doença, os cuidados para evitá-la e os tratamentos indicados. Otexto foi escrito em maio de 1926 e assinado pelo Dr. Almeida Santos, sendo
traduzido para o letão por J. Iņkis jun., que apontou: “Este texto é dedicado
diretamente a ‘Jaunais Lihdumneeks’, do respeitado médico do condado de
Dourado, Dr. Almeida Santos”.
Com ajuda de Deo Demeti, pude conhecer um pouco dessa personalidade
que atuou em Dourado e colaborou com os imigrantes letões, não somente na
escrita, mas também na assistência à saúde. Por meio da pesquisa realizada por
Demeti, baseada em indícios que compartilhei, ele identificou que alguns
imigrantes estão sepultados no cemitério de Dourado. Ao conferir os registros,
encontrou cinco declarados como naturais da Letônia e quatro destes óbitos
foram constatados pelo Dr. A. Santos.
Um desses imigrantes era o jovem Peteris Leepinsch, o primeiro óbito
identificado de imigrante letão falecido em Dourado, em dezembro de 1924. Um
artigo foi publicado em sua homenagem em 1930, no Gada Grahmata (Livro do
ano), uma publicação da Juventude letã no Brasil (Figura 7), impresso na
Fazenda Palma.
O autor do artigo foi Deenwidneeks, um dos pseudônimos usados por
Robert Vaver, que era poeta e músico e atuou como líder do coral batista em
Dourado. Na primeira frase do texto, o autor apontou que na Fazenda Dourado,
em 21 de dezembro de 1924, “partiu dessa terra para uma vida melhor” o jovem
Peter Leepinsch, com 34 anos. No texto, ele expressou a perda do amigo que
faleceu jovem, sua personalidade vibrante e sua amizade, desde que
frequentavam a Igreja de Matheus, em Riga, na Letônia. Foi o único obituário da
edição, sendo assim uma homenagem ao jovem imigrante letão
Figura 7 – Recorte do artigo em homenagem a Peter Leepinsch, com sua
fotografia

Fonte: Arquivo da Fazenda Palma.
Assim, entre tipos e cafés, a cidade de Dourado tem uma importância na
história dos letões que fundaram Varpa, em especial relacionada à imprensa dos
imigrantes. A possibilidade de trabalho nos cafezais proporcionou que Varpa se
desenvolvesse e também que sua imprensa iniciasse.
A tipografia da Fazenda Palma foi restaurada em 2022, em comemoração
aos 100 anos da fundação da colônia, e está em exposição para acesso ao
público, uma possibilidade de conhecer uma parte da história da imprensa
fundada por esses imigrantes (Figura 8).Figura 8 – Prédio da tipografia da Fazenda Palma e fotografia de seu interior,
onde está exposta a Minerva comprada por J. Rosemberg e J. Bukmanis


Fonte: Arquivo pessoal da autora.Sibila Lilian Osis
Sibila Lilian Osis
sosis@uea.edu.br
Aluna de Doutorado do Programa de Pós-graduação em Educação - PROPED
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Núcleo de Ensino e Pesquisa em História da Educação – NEPHE
Bolsa de Doutorado pelo CNPQ
Docente da Universidade do Estado do Amazonas – UEA
Referências
ARANHA, Antonio Carlos Botelho Souza. Carlos Botelho: nasceu no século XIX,
viveu no XX e vislumbrou São Paulo do século XXI. São Paulo: Antonio Carlos
Botelho Souza Aranha, 2011.
BRŪVERS, Arnolds. Latvieši Palmu zēme, 1970.
BURKE, Peter. Perdas e ganhos: exilados e expatriados na história do
conhecimento na Europa e nas Américas, 1500-2000. São Paulo: Editora
UNESP, 2017. 299 p.
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FONTE: SIBILA LILIAN OSIS
ARQUIVO: CASA DOS PAPÉIS