quinta-feira, 31 de março de 2022

CASA DOS PAPÉIS-310: I) ACONTECEU...

 ... em 22 de abril de 1907.
MORTES EM DOURADO
O nosso collega "O DEMOCRATA", folha que se publica naquella cidade, deu em seu numero de hontem a seguinte noticia:

"Pesa-nos a penna em descrever a tragedia da qual foi theatro esta villa, na tarde de 22 do corrente.
FRANCISCO ASSUMPÇÃO, o protagonista desta triste scena, da qual resultou a morte de seus paes, o ferimento de dois irmãos e do delegado sr. JOSÉ VIRGOLINO MACHADO, andava há certo tempo a esta parte, parece que desorientado.
Tendo feito acquisição de um revolver, adestrava se ao exercicio de tiro, atirando a torto e a direito sem medir as consequencias que poderiam resultar, promettendo em voz publica que havia de liquidar  com ALFREDO DE ARAUJO e o nosso director, em virtude de um publicação contra elle, inserta na secção livre d' "O DEMOCRATA", de 9 de Março do corrente anno, da qual não cabia responsabilidade nenhuma ao nosso director e muito menos ao sr. ARAUJO.
Aconteceu, porém, que num desses exercicios de tiro, FRANCISCO ASSUMPÇÃO, matou um gallo de raça , de JOSÉ SCHIARRETA, que procurando os meios legaes reclamou a sua indemnisação requerendo ao delegado em exercicio, sr. JOSÉ VIRGOLINO MACHADO, a reparação do danno.
O sr. MACHADO mandou intimar FRANCISCO ASSUMPÇÃO a comparecer à policia, para vêr se liquidava a questão harmonisando assim aquella pendencia.
Mas tal não se deu. ASSUMPÇÃO, em vez de cumprir a intimação, respondeu atrevidamente, mostrando ao escrivão o seu revolver e grande quantidade de balas que tinha para receber o delegado.
Ficaria só nisso, se não fosse a imprudencia de ASSUMPÇÃO: em toda a parte que tinha occasião de referir-se a esse acto, fazia allusões desairosas ao delegado e, ainda por cima, mandava-lhe recadinhos pouco convenientes.
O delegado, offendido no seu prestigio, e exautorado, deu ordem à policia que prendesse ASSUMPÇÃO onde o encontrasse.
ASSUMPÇÃO por forma alguma queria submetter-se a um accôrdo, nem mesmo attendendo a conselhos de pessoas amigas e parentes, como o sr. ONOFRE PENTEADO, seu cunhado, que o aconselhou a que se apresentasse ao delegado e que liquidasse a questão, sendo respondido que elle receberia o delegado a balas.
Infelizmente, na tarde de 22 deste, a policia, encontrando ASSUMPÇÃO, deu-lhe voz de prisão, que desobedeceu correndo para sua casa, perseguido até alli pela policia.
Uma vez alli, a policia manteve a ordem, postando-se em frente à casa de ASSUMPÇÃO e nas que, juntamente com seu irmão JOSÉ ASSUMPÇÃO e seu pae, desafiavam e insultavam a policia, exigindo a presença do delegado.
Emquanto não vinha o delegado o commandante do destacamento mandou vir as carabinas e munição para as mesmas.
O delegado que jantava no Hotel Pinto em companhia de um amigo foi avisado, para lá se dirigindo então. 
Chegado alli, achava-se já a casa toda fechada e, quando um dos soldados, procurava entrar num portão lateral da casa, partiram lá de dentro dois tiros desfechados a queima roupa, que não o attingiram, sendo disparado por este um tiro contra a porta de onde partiram aquelles tiros.
Neste acto o delegado bate a porta que lhe é aberta pelo pae de FRANCISCO ASSUMPÇÃO, a quem o delegado perguntou, "o que é isso?, quando RODOLPHO o alvejou com o revolver que foi desviado por MACHADO, sendo-lhe nesta occasião desfechado um tiro no rosto por FRANCISCO ASSUMPÇÃO.
Offendido, o delegado, a policia não pôde conter-se, disparando as carabinas no grupo que então se achava à porta, partindo ainda desta, diversos tiros contra a policia.
Cessado esse tiroteio conservou-se fechada a casa, não se sabendo o que então se passava dentro.
O delegado mesmo offendido, pediu às pessoas que se achavam nas immediações, se havia alli alguem amigo da familia, que fosse pedir-lhe que se entregassem, para serem evitadas mais desordens.
Chegando nessa  occasião o sr, BENEDICTO BUENO DE GODOY, delegado proprietário da vara, assumiu a jurisdicção, mandando proceder o curativo no delegado JOSÉ MACHADO, pelo medico BOMFIM DE ANDRADE, na PHARMACIA ROCHA.
Chamado o sr. ONOFRE PENTEADO, genro do sr. RODOPLHO ASSUMPÇÃO, pediu permissão ao delegado para penetrar na casa, o que foi accedido sob condição de FRANCISCO ASSUMPÇÃO entregar-se à policia.
Aberta a porta do predio à ordem do sr. BUENO e a pedido do sr. ONOFRE, ahi penetraram estes e o sr. JOSÉ MALHEIRO.
Triste e desolador foi o quadro que se apresentou ante elles. 
DE um lado, sobre um leito, jazia morto o sr. RODOLPHO ASUMPÇÃO com o peito trespassado por bala; em outro leito jazia inerte a sua esposa com o ventre esphacelado tambem por bala. Uma filha do sr. RODOLPHO com um ferimento numa das mãos e JOSÉ ASSUMPÇÃO tambem ferido na mão.
Presos, FRANCISCO e JOSÉ ASSUMPÇÃO, foram acompanhados até a cadêa pelos srs. BUENO e JOSÉ MALHEIRO, tendo sido dadas as providencias para o curativo da moça, que está com a mão offendida.
Communicado o facto pelo telephone ao dr. Juiz de Direito, o delegado , de accôrdo com as suas instruções, deu as providencias que o caso exigia.
No dia 23 chegou o dr. promotor publico, que acompanhou o inquerito e demais diligencias, tendo-se procedido a autopsia nos cadaveres e o auto de corpo de delito. nos outros offendidos, servindo de peritos o dr. EDUARDO PIRAJÁ e o pharmaceutico LUIZ GONZAGA SOARES.
Foram encontradas onze balas de revolver nos bolsos de RODOLPHO ASSUMPÇÃO, e uma caixa de navalhas, dentro do seio de sua esposa, por occasião de se proceder a autopsia.
A's quatro horas, sairam para a egreja os cadaveres, e dalli para o cemitério municipal, sendo enorme o acompanhamento de povo".  
Publicado no "O ESTADO DE SÃO PAULO", pagina 3, de 28 de abril de 1907.
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CEMITÉRIO MUNICIPAL DE DOURADO/SP
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ARQUIVO: CASA DOS PAPÉIS(O DEMOCRATA)/O ESTADO DE SÃO PAULO


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