quinta-feira, 19 de julho de 2018

CASA DOS PAPÉIS-135: DOURADO LITERÁRIO - 3

 
ENSINANDO E APRENDENDO
I
Quando Yeda entrou naquele trenzinho feio e poeirento da Douradense, sentiu que ia desfalecer.
Por pouco não havia perdido, pois o inspetor que presidira aos exames de sua escolinha atrasara bastante.
Graças a Deus, entretanto, conseguira chegar a tempo.
Não queria ficar mais nem um minuto , naquela cidade.
O chefe do trem deu o primeiro apito, o maquinista respondeu imediatamente.
Depois, um novo apito, nova resposta.
Um grande e inevitável solavanco e o trenzinho partiu.
Apesar de seu ódio por Claudio, olhou para a estação e desejou ardentemente encontrar seu rosto entre aquelas fisionomias conhecidas.
Lembrou-se das muitas vezes que ele ali ficara, de pé, sorrindo e lhe dizendo adeus.
- Como é possível, meu Deus, tanta infelicidade?
U'a mão invisível começou a aperta-lhe a garganta.
Sentia grande vontade de chorar.
Mas, que diria toda aquela gente que estava no carro, ao vê-la em soluços?
Não. O melhor mesmo era sufocar no peito aquela dor e esquecer o quanto era infeliz.
Olhou pela janela.
A paisagem era velha conhecida sua.
Por onde quer que se olhasse era sempre a mesma. Milhares de pés de café enfileirados, parecendo um grande exército, que sob as ordens de um tirano, espalhava terrore miséria ao seu redor.
Sim, os fazendeiros da União Agrícola não passavam de infames tiranos.
Seus colonos eram homens, mulheres e crianças descalços, famintos e quase nus, verdadeiros animais sem direitos humanos.
Lembrava-se agora de um dia frio de maio, em que viu uma das suas alunas caminhando para a roça.
Chamou-a.
- Vai faltar à aula novamente, Joana?
Você não está indo bem nos estudos, se continuar assim talvez perca o ano.
A menina olhou-a tristemente e respondeu:
- Se eu não ajudar o meu pai, ele num dá conta dos três mil pé e se ele não dé conta, o filho do coroné já avisô que manda nós embora.
Daí que vai sê de nós?
A senhora sabe, a mãe anda doente e as crianças pequena só sabe dá trabaio.
Olhara para os pés da menina.
Eles estavam roxos de frio.
Entrou em seu quarto e apanhando um par de seus sapatos dera-os à menina.
Esta, porém, lhe havia dito:
- Brigado professora. Eles ficam p'ra usar domingo. A gente aqui é pruibido de trabaiá de sapato.
O fiscá não deixa, diz que amassa os grão.
Joana, dizendo isso foi embora sorrindo com seus pequeninos pés amassando a terra fria.
Afastando os olhos daquela cena triste olhou para a sala de aula.
Quantas crianças viriam à escola hoje?
Em tempo de colheita, por mais que fizesse, nunca conseguia mais de quarenta por cento.
Olhou para a folhinha.
Doze de maio.
O dia seguinte seria 13 de maio.
Precisava ensinar seus alunos, que nesse dia, há muitos anos passados o Brasil deixara de ter escravos.-

MARIA STELLA (Esposa do DR. VIDAL HADDAD, Médico em Dourado na década de 50)
ENSINANDO E APRENDENDO
GRAFICA EDUARDO-1965-RIBEIRÃO PRETO 
 
ARQUIVO: CASA DOS PAPÉIS


   

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